quinta-feira, 9 de abril de 2009

ENTREVISTA COM O MINISTRO DA SUPREMA CORTE ARGENTINA RAÚL ZAFFARONI – PARTE 2

DM – O Brasil afrouxou sua legislação de drogas. O usuário não pode mais ser preso.
Zaffaroni – Nós achamos que o tóxico ilícito para próprio
consumo, que não caracterize condições de gerar perigo de tráfico, não
é um problema penal. Punir isso é até mesmo inconstitucional. O Estado
tem direito de intervir quando praticamos ação que pode lesar uma
terceira pessoa. Se o usuário quer continuar consumindo drogas, tudo
bem: isso não é um problema do Estado, mas da saúde dele. Agora é
diferente de legalizarmos os tóxicos. Não podemos fazer isso só num
Estado. Estamos vinculados por tratados internacionais. Não sei se
poderíamos discutir esse assunto no mundo atual. É uma discussão que
precisa ser resolvida pelos economistas. É uma questão de
macroenomonia. A proibição gera um preço de distribuição, que tem uma
renda incrível. Grande parte disso fica nos países consumidores, caso
dos Estados Unidos. Estamos falando de cocaína, que é produto de
economia primária. E vai acontecer com ela o que ocorreu com outros
produtos primários após a Segunda Guerra Mundial. Ela vai ser
substituída por produtos sintéticos. Os adeptos da Escola de Chicago
dizem que o uso poderia ser liberado sem qualquer problema. Entendem
que esse dinheiro se destinaria para a poupança. Por outro lado, os
neokeynesianos dizem o inverso: essa liberação traria grande depressão
mundial. Parece que até agora estes últimos estão vencendo.

DM – No Brasil, o Supremo é uma corte política. Os ministros são indicados pelo presidente. Na Argentina é semelhante?
Zaffaroni – Os ministros são escolhidos pelo presidente e tem também acordo do Senado Federal, com uma maioria de 2/3 dos integrantes.

DM – Mesmo assim, indicados pelo presidente, eles votam contra o interesse do governo?
Zaffaroni – A nomeação é política, sim, mas votamos contra o presidente quando precisa.

DM – Como combater a violência?
Zaffaroni – Existem duas formas: prevenção primária e
secundária. Na primeira, é preciso política social, escolas, buscar as
raízes da desigualdade, investir no ser humano. A prevenção secundária
é a polícia e o sistema de segurança. Depois do festival dos anos 90,
da globalização, temos uma sociedade ainda mais estratificada. Já não
podemos fazer política de prevenção primária. Em segundo lugar, as
polícias foram se deteriorando cada vez mais, corrompidas pelos
políticos e governantes. Isso é bastante uniforme na América Latina. Os
governantes pensaram que poderiam controlar a violência trocando
governabilidade por corrupção. Isso aconteceu e funcionou durante
muitos anos. Mas a globalização trouxe o tráfico de drogas, armas,
pessoas. Quebraram também as cadeiras de mando das próprias polícias.
Por isso são tão ineficazes na prevenção secundária. Portanto, não
temos prevenção primária dos conflitos. E deterioramos a prevenção
secundária, além de polarizarmos as riquezas da sociedade. A solução,
então, é mudar a lei penal? Simples assim? Lógico que não. A direita
demagógica monta a campanha contra as esquerdas sobre a base da
insegurança. As esquerdas, sempre culpadas de ser desordeiras, reagem.
É uma concorrência de quem mais faz besteiras.

DM – Preso tem que ter vida boa na cadeia? Não tem que trabalhar, por exemplo?
Zaffaroni – Teria que trabalhar, sim. Acontece que nossas
cadeias não dão oportunidade. Não é questão de dizer que a gaiola seja
ruim. É mais do que isso. Nós não temos condenados. Nós não temos
penas. Impomos algumas penas a partir do código de processo, que seriam
penas apenas preventivas. Se pegarmos 100 presos na província de Buenos
Aires, cerca de 75 deles não estão condenados. Só 25 deveriam estar
ali, não tiveram o devido processo legal. Vamos dizer que 25 dos presos
deveriam ficar um pouco mais na cadeia, outros 25 vão ser absolvidos e
outros 50 vão ser condenados e no momento da condenação vão ser
libertados para cumprir penas foras. Mas todos estão presos
preventivamente. Falar em sistema penitenciário, falar em tratamento,
trabalho, é algo para 25% nas cadeias da América Latina. Os outros não
deveriam estar ali.

DM – Existem denúncias de que a imprensa brasileira condena o suspeito antes do Judiciário. Na Argentina é assim também?
Zaffaroni – Isso acontece quando o preso é um sujeito mais marginal. Com o rico não acontece.

DM – Mas como mudar essa realidade injusta?
Zaffaroni – Proibir a publicação dos nomes das pessoas
envolvidas bem como as fotos até ocorrer o trânsito em julgado. Na
maioria dos países não se discute isso, mas existem outros que
apresentam uma autolimitação da imprensa. O jornalista coloca apenas as
iniciais das pessoas envolvidas. Isso ocorre mais na Europa. Os
suspeitos podem entrar, inclusive, na Justiça e ganhar indenizações por
conta dos abusos.

DM – A questão mais complexa é o crime grave ou leve?
Zaffaroni – Todos concordamos que o autor de crime grave deve ir
para cadeia, ter privação de liberdade. Poderíamos ter outras soluções,
mas neste momento da cultura é o que podemos fazer. Todos concordam
também que um crime muito leve não deve ter cadeia. O problema é que
tem o crime de gravidade média. É aqui cada Estado escolhe o que quer
fazer com a pessoa. Pegamos o mapa de índice prisional. Os Estados
Unidos têm 500 presos por 100 mil habitantes, nós temos 150 presos por
100 mil, o Canadá tem o mais baixo do mundo, algo como 50 por 100 mil.
A Finlândia tem quase o mesmo índice do Canadá. Por isso que pensamos
numa comissão internacional: alguns países têm número x de vagas para
colocar preso. Superado esse número, ultrapassado esse tamanho, vamos
liberar aqueles que faltam um mês para sair da prisão, os que cumpriram
boa parte da pena, os menos perigosos. Isso é mais racional do que
empilhar presos. Por exemplo: não sei quantos mandados de prisão
existem em São Paulo para serem cumpridos, mas são muitos. Pode colocar
todo orçamento do Estado para prender essa gente e não vão conseguir. É
loucura. Precisamos ter escola e destinar tanto dinheiro para isso
parece absurdo. Os EUA têm muito preso. É claro, eles não têm limite de
orçamento. Fabricam dólares, transferem dinheiro da assistência social
para o sistema penal, como fizeram a partir dos anos 80. E o fato é que
esse sistema de segurança pública é uma fonte de emprego. Ele gera
cerca de 2 milhões de empregos nos EUA, seria uma variável para evitar
o desemprego de qualquer país

Autor: Welliton Carlos - Editoria de Cidades
Fonte de Publicação: DIáRIO DA MANHã

http://www.policiacivil.go.gov.br/gerencia/entrevistas/busca_id.php?publicacao=42172